Intolerância na locação: como as imobiliárias devem lidar com casos de preconceito

Intolerância na locação: como as imobiliárias devem lidar com casos de preconceito

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Um caso recente de intolerância na locação de imóveis chamou a atenção do mercado imobiliário, quando o proprietário de um apartamento em São Paulo recusou alugar seu imóvel para um casal gay. O locador foi condenado a pagar uma indenização de R$ 30 mil em danos morais.

Outro caso também ocorrido em São Paulo há alguns meses foi o do humorista Eddy Jr., que sofreu ofensas racistas de uma vizinha e deixou o apartamento que alugava. A vizinha se tornou ré em processo por injúria racial e ameaça.

Os crimes viraram notícia e trouxeram à tona outras histórias vivenciadas de perto por imobiliárias, que ficam em situação delicada e se desdobram para solucionar tais problemas e  não ficarem na posição de cúmplices de atitudes discriminatórias.

O Imobi Report conversou com imobiliárias que revelam a recorrência de casos de intolerância na locação. Também consultamos especialistas para entender os caminhos a serem tomados pelas empresas para se posicionar diante destas ocorrências.

Postura firme e diálogo para enfrentar a intolerância na locação 

A homofobia e o racismo são apenas alguns dos tipos de intolerância presenciados na locação de imóveis. Entre outras situações que atacam a diversidade, estão a intolerância religiosa e política, xenofobia, preconceito contra condição física e até mesmo contra a idade. Para enfrentar o problema para valer, as imobiliárias precisam ir além do respeito às diferenças. É necessário lidar com a diversidade de forma proativa

Há 37 anos, Aida Xavier é advogada da Nova Freitas Imóveis, de São José dos Campos (SP). Durante este período, ela lidou com casos de intolerância de variados tipos.

“Casos como os de proprietários que não queriam locar o imóvel para pessoas negras, estudantes, evangélicos, entre outros. Preconceitos quanto a diversidade, credo, sexualidade e raça”, relata Aida. 

A advogada conta que a imobiliária não é conivente com as situações de preconceito e procura educar os clientes.

“Nunca foi preciso entrar com nenhuma ação, pois sempre procuramos esclarecer nossa posição e criar consciência no cliente que fazem pedidos absurdos. É comum que intolerância e preconceito estejam disfarçados como opinião”, avalia.

Quando o diálogo com o cliente não é positivo, a imobiliária abre mão da administração do imóvel. “É comum que os clientes não gostem dessa conversa e sejam grosseiros. Mas somos contra qualquer tipo de preconceito e a empresa precisa ter posições firmes. Pelo lado positivo, vejo que, nos 37 anos em que estou nesta frente, está diminuindo a incidência de casos de intolerância”.

Preconceito contra a diversidade provoca a perda de bons inquilinos

Em Belo Horizonte (MG), a LF Imóveis já teve de lidar com diversas situações envolvendo discriminação, especialmente por conta da orientação sexual de inquilinos.

“Já tivemos proprietários que queriam analisar a ficha do candidato a locatário e sequer priorizavam a análise da renda. O que definia o negócio eram outros detalhes do perfil”, conta Luís Fernando Freitas, CEO da LF Imóveis.

A imobiliária perdeu outros negócios em situações variadas. Freitas cita que uma das situações que mais chamou atenção foi a de um casal de proprietários gays, que não queria locar seu imóvel para uma pessoa transsexual, mesmo esta tendo uma ótima ficha na imobiliária. 

Imobiliária apoia cliente que sofreu preconceito

O psicoterapeuta Alex Kutacho estava com sua mudança marcada para uma segunda-feira, quando, na sexta-feira anterior, fez uma última visita ao imóvel que iria locar para morar com seu companheiro. Contudo, nessa última espiada no novo lar, os planos mudaram completamente.

Durante a visita ao apartamento, em um condomínio no centro de Curitiba (PR), eles foram abordados pela síndica. Só que o teor da conversa não se resumiu a um papo sobre regras do condomínio.

“Ela disse que, para descermos e sairmos do prédio com nosso pet, por exemplo, eu e meu companheiro teríamos que usar elevadores separados. Para ir para a rua, teríamos que usar saídas diferentes um do outro. Não poderíamos ser vistos juntos. Apesar das evidências claras, não enxergamos a homofobia de imediato”, conta Alex.

A síndica também criou impeditivos para o casal utilizar a estrutura do prédio. Ao falar do salão de festas, por exemplo, ela afirmou que eles não poderiam usá-lo, com a justificativa de que o local era exclusivo para festas infantis. Então, Alex disse que pensava em usar o espaço para dar uma festa para a afilhada. Foi aí que a síndica reformulou todo o discurso anterior e falou que locatários não tinham direito de usar o salão.

Diante de tantos incômodos, o casal foi questionar a imobiliária sobre a imposição dessas normas. Foi neste momento, em conversa com a equipe da Apolar Imóveis, que os locatários tiveram clareza sobre a postura preconceituosa do condomínio.

“A imobiliária nos apoiou, orientando que fizéssemos um boletim de ocorrência. Decidimos desistir da locação. Em seguida, eles abriram mão da administração do imóvel”, relata Alex.

Respeito às diferenças integra código de imobiliária

De acordo com a Apolar, a principal ferramenta adotada no caso foi a empatia.

“Nossa colaboradora os ouviu e fez a intermediação entre as partes envolvidas, buscando a melhor solução. Ela teve atuação exemplar ao combinar os termos da Lei com a empatia, para prestação de um atendimento humanizado”, diz Jean Michel Galiano, diretor de operações do Grupo Apolar Imóveis.

De acordo com o executivo, os treinamentos e integrações realizados pela empresa contam com o reforço de valores presentes na Carta Institucional da Apolar. Entre estes valores, está o respeito às diferenças.

“Reconhecemos que, embora não seja fácil o papel do intermediador, um dos caminhos é manter a postura firme e contrária aos atos discriminatórios de qualquer origem. Sempre orientamos nossos colaboradores a adotarem uma conduta consciente e respeitosa em cada atendimento”, conclui Galiano.

Como lidar com a intolerância na locação de imóveis? Ser conivente com postura discriminatória também é crime

A intolerância é um problema presente e precisa ser levado a sério mesmo diante de quaisquer justificativas. A solicitação de proprietários para que seus imóveis não sejam locados para grupos específicos é mais que um problema sério, pois trata-se de crime. 

Ao se deparar com situações desta natureza, imobiliárias e corretores de imóveis precisam ter postura assertiva para não se tornarem cúmplices. A orientação é de realizar a denúncia para as autoridades.

“Está acontecendo um crescimento virtuoso de pessoas negras que demandam por este serviço e, infelizmente, há proprietários de imóveis que não querem ver as suas propriedades com determinados grupos que são vítimas de preconceito. É importante lembrarmos que aqueles que colocam essa condicionante para a locação das suas propriedades estão cometendo crimes como racismo ou homofobia. Mas é mais importante lembrarmos que tanto imobiliárias como corretores de imóveis que aceitam a prática praticam de forma conjunta os mesmos crimes”, ressalta Júlio César Santos, diretor do Instituto Luiz Gama, associação civil que atua com e dos direitos humanos e na defesa dos grupos que sofrem com preconceito, desigualdade e baixa representatividade em espaços de influência.

Um caminho essencial para o segmento é a criação protocolos que priorizem o respeito de todos os grupos. “Não podemos aceitar que grupos tidos historicamente como discriminados, como os negros e os homossexuais, não possam alugar imóveis porque proprietários são racistas e homofóbicos. É cada vez mais importante a luta por uma sociedade justa e igualitária com respeito a todos os grupos sociais”, pontua Santos.

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